Desnutrição grave: a vulnerabilidade social dos povos Yanomami e o papel do nutricionista no resgate da cultura e segurança alimentar

Rio de Janeiro - 07/02/2023

Em um país com 33 milhões de pessoas com algum grau de insegurança alimentar, o nutricionista tem se tornado ainda mais importante como agente político e promotor de saúde. O Conselho Regional de Nutricionistas 4a Região (CRN-4) manifesta preocupação após o Ministério da Saúde decretar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional no território indígena Yanomami, em Roraima, ao resgatarem oito crianças em estado grave de desnutrição e malária


A emergência sanitária é consequência direta da exploração de garimpeiros e cortes de recursos para a saúde indígena. Para tentar controlar a crise, o governo anunciou uma série de ações como a instalação de um hospital de campanha e a convocação de médicos, enfermeiros e nutricionistas que queiram atuar na Força Nacional do SUS.


O Território Yanomami representa a maior reserva índigena do Brasil. Relativamente isolados da América do Sul, o contato com a sociedade nacional é recente. Por muitos anos, viveram apenas da agricultura, pesca e colheita para sua subsistência, mas atualmente, enfrentam uma crise sanitária e de segurança alimentar sem precedentes. 


Em condição de ausência total do Estado, a população indigena está exposta a uma situação de vulnerabilidade social que se configura pelo acesso reduzido aos serviços de saúde e privação de saneamento básico. O resultado: a cada 72 horas, uma criança ou idoso Yanomami está morrendo por desnutrição, diarreia ou malária, segundo a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara. 


Desnutrição infantil 


O hospital infantil de Roraima registrou 29 internações de Yanomami em uma semana. Ao todo, segundo a unidade, são 53 internadas no local. Desse número, 7 estão na UTI. A maioria dos casos é de desnutrição grave e malária. Dados do Ministério da Saúde mostram que 1.556 crianças Yanomami sofrem com déficit de peso, sendo 586 menores de cinco anos com “peso muito baixo para a idade” e outras 968 com “peso baixo para a idade”. Esse número representa mais de um terço da população infantil do território, um indicativo forte da desnutrição. 


Garimpo x Saúde


Uma das razões para a decorrência da emergência sanitária que assola o território é a prática de garimpo ilegal. Segundo um relatório do povo Yanomami, de 2018 a 2021 o garimpo cresceu de forma avassaladora, saltando de 1.200 para 3.272 hectares. O número de garimpeiros na região chegou a 20 mil no último ano, quase o tamanho da população local de 28 mil.


O CRN-4 convidou a nutricionista Aline Ferreira, Doutora em Epidemiologia pela ENSP/Fiocruz e integrante do GT de Saúde Indígena da Abrasco. Ela que atua na área da saúde, alimentação e nutrição indígena desde 2003, destaca o impacto do garimpo na vida dos povos Yanomami. 


“O garimpo impacta diretamente não apenas na questão da saúde, no que que a pessoa vai comer, na maneira que a pessoa vai se alimentar, mas também nas questões ambientais. Diretamente você está modificando o ambiente e você está falando de povos e de sociedades que têm uma relação muito diferente com as terras”, ressalta. 


O garimpo traz a incidência de doenças infecciosas, além da destruição e poluição da floresta original. Com a superexploração dos recursos naturais pelos garimpeiros, a pesca e a caça ficam escassas para os povos indígenas e tornam os locais de produção agrícola improdutivos. Isso colabora, também, com a sedentarização da população e com a perda de sua identidade cultural. 


Papel da nutrição


Promover a saúde em comunidades indígenas vai muito além de realizar acompanhamento nutricional. É preciso ter um olhar e uma escuta atenta para identificar e compreender seus saberes, regras de convivência e cuidados com a saúde e o ambiente, uma vez que a segurança alimentar e nutricional em terras indígenas perpassa por questões econômicas, sociais, culturais e de acesso à terra. Aline enfatiza o cuidado necessário na ação do nutricionista dentro desse cenário. 


“A gente não pode pensar na atuação do nutricionista numa perspectiva intervencionista de “vamos sanar o problema”. É claro que existe o problema e é claro que esse problema precisa ser sanado, mas a gente não pode pensar nisso indissociado das questões culturais locais e ambientais respeitando especialmente essas preferências nas questões alimentares”, aponta 


O resgate da segurança alimentar desses povos é, consequentemente, o resgate de sua identidade cultural. Com as mudanças nas dinâmicas alimentares que enfrentam, devido a industrialização e ao garimpo, é preciso pensar em ações que fortaleçam e incentivem seus hábitos culturais. 


“A questão é que cada povo e cada lugar tem seus hábitos culturais diferenciados e tem suas maneiras de se relacionar com a comida de maneira diferenciada e isso tem que ser respeitado”, reitera a nutricionista. 


Texto: Kézya Alexandra (estagiária de jornalismo)

Supervisão: Laira Rocha (jornalista)

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