Instituto Alana comenta acórdão sobre publicidade infantil

Espírito Santo - 29/04/2016

A recente publicação do acórdão referente ao já bastante noticiado caso da Bauducco (Recurso Especial n. 1.558.086 – SP) não deixou dúvidas. O Superior Tribunal de Justiça entendeu ser abusiva e, portanto, ilegal a questionada publicidade por duas razões, tal qual exposto já na sua ementa: (i) “por se tratar de anúncio ou promoção de venda de alimentos direcionada, direta ou indiretamente, às crianças” e (ii) “pela evidente venda casada, ilícita em negócio jurídico entre adultos e, com maior razão, em contexto de marketing que utiliza ou manipula o universo lúdico infantil (art. 39, I, do CDC)”.

Tratou-se a discussão sobre a ilegalidade da publicidade comercial veiculada pela empresa Pandurata Alimentos Ltda., mais conhecida por sua marca Bauducco, para a campanha ‘É hora de Shrek’, por meio da qual eram anunciados às crianças os produtos da linha ‘Gulosos Bauducco’, na ocasião do lançamento nacional do terceiro filme da série Shrek.

Antes da divulgação do acórdão muito se falou acerca desse caso, a imprensa deu ampla repercussão ao julgamento, haja vista o teor das manifestações e a contundência dos votos dos Ministros participantes. A imensa maioria das notícias tratou o julgado como de fato é: uma decisão histórica e paradigmática. Contudo, é preciso notar, algumas raras vozes destoantes – e, diga-se de passagem, com interesses na causa – propalaram a falsa ideia de que o julgamento seria apenas fundamentado na ilegalidade da prática de venda casada.

Ainda se assim o tivesse sido, o julgamento não teria perdido seu brilho porquanto teria punido uma prática considerada ilegal há 25 anos pelo Código de Defesa do Consumidor e, no caso em análise, dirigida a um público notória e presumidamente hipervulnerável, que são as crianças.

Mas, corajosamente, foi além o Tribunal da Cidadania.  Não se olvidou e analisou o caso na sua maior profundidade.

Entendeu, sim, como não poderia deixar de ser, que se tratava de prática ilegal de venda casada a imposição ao consumidor infantil da aquisição dos produtos da linha ‘Gulosos Bauducco’ para se alcançar o almejado relógio de pulso com a imagem do personagem do desenho Shrek. Vale dizer que a concomitante exigência do pagamento de R$5,00 (cinco reais) para tanto em nada mudava a irregularidade da prática comercial. A verdade é que a criança, para conseguir o relógio, era obrigada a, também, consumir 5 (cinco) produtos alimentícios da promoção, na medida em que o mero pagamento, sem a apresentação de 5 embalagens de produtos, não ensejaria a compra ou aquisição do mesmo. Relógio tal que não era mero brinde, mas, para as crianças, destinatárias da publicidade, a verdadeira razão da compra dos ditos produtos alimentícios.

Porém, inovou o Superior Tribunal de Justiça, realizando julgamento da maior importância nos dias atuais, em que a obesidade infantil assola o país e nos quais a publicidade voltada ao público com menos de 12 anos caminha livremente a despeito de todo o arcabouço legal positivado no ordenamento pátrio.

A esse respeito, foi direto e objetivo o acórdão:

É abusivo o marketing (publicidade ou promoção de venda) de alimentos dirigido, direta ou indiretamente, às crianças. A decisão de compra e consumo de gêneros alimentícios, sobretudo em época de crise de obesidade, deve residir com os pais. Daí a ilegalidade, por abusivas, de campanhas publicitárias de fundo comercial que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil (art. 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor).

Tratou, portanto, sem sombra de dúvidas, de dizer que a publicidade voltada ao público infantil, que dele se aproveita para propagar o consumo de produtos, no âmbito comercial, é abusiva e ilegal nos termos da legislação em vigor, notadamente, em razão do disposto no artigo 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.

A decisão ainda não transitou em julgado, é verdade, mas já é paradigmática pelo seu conteúdo, pelo irretocável voto do ilustre Ministro Humberto Martins e também pela força do julgamento havido, quando o Ministro Herman Benjamin, renomado jurista da área da defesa do consumidor asseverou:

[…] não se trata de paternalismo sufocante nem de moralismo demais, é o contrário, significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos, é dos pais. E que nenhuma empresa comercial, e nem mesmo outras que não tenham interesse comercial direto, têm o direito constitucional legal assegurado de tolher a autoridade e o bom senso dos pais. […]

Também não me impressiona, ainda neste primeiro ponto, um outro argumento de que milhares de anúncios são feitos, são mesmo, e por isso a necessidade do Superior Tribunal de Justiça dizer, não apenas para a Bauducco, mas para toda a indústria alimentícia, ponto final, acabou.

E também não me impressiona mais um argumento de que não houve uma única reclamação, não precisa, o Código de Defesa do Consumidor no que tange à regulação da publicidade não estabelece um sistema de infração de resultado, basta a infração em si mesma, ou melhor dizendo, a prática em si mesma para caracterizar a infração. E finalmente, que não houve risco à saúde e à segurança, esse não é o critério do Código de Defesa do Consumidor, não é o único valor protegido pelo Código de Defesa do Consumidor, o código protege, sobretudo, a autonomia da vontade. E onde está a autonomia da vontade de uma criança? E, sobretudo uma que está na idade ainda que sente um apelo de um relógio do Shrek.[1]

Por tudo isso, esse resultado já é uma grande vitória para a sociedade; de pais, mães, responsáveis, famílias inteiras, que lutam diariamente contra o assédio publicitário onipresente às suas crianças. É uma vitória das crianças brasileiras – constitucionalmente, a absoluta prioridade da nossa nação.

Fonte: Diretora do Instituto Alana, Isabella Henriques

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