O Sistema Conselhos Federal e Regionais de Nutricionistas (Sistema CFN/CRN), instituição máxima de fiscalização e orientação dos mais de 145 mil nutricionistas em todo o Brasil, manifesta extrema preocupação com a tramitação do Projeto de Lei n° 5695, de 2019, de autoria do Senador Izalci Lucas (PSDB/DF).
O texto supracitado tem como um dos objetivos transferir a cota-parte da União do Salário-Educação para estados e municípios, mas também a responsabilidade pela normatização por cada ente subnacional a execução do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE); do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD); do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); todos extremamente importantes para a educação básica no país.
O Sistema CFN/CRN entende que as mudanças propostas no PL atinentes ao PNAE, PNATE, PNLD e PDDE causam imensos prejuízos à sociedade. A proposta em questão prevê o fim da gestão nacional desses programas, delegando aos estados, municípios e ao Distrito Federal a definição de todos os critérios para a execução das políticas sociais citadas e a aplicabilidade dos seus recursos, uma vez que faz referência apenas ao salário educação, desobrigando a União de ter orçamento próprio para tais ações.
Vale destacar que, como a maioria dos mais de 5 mil municípios do Brasil não têm norma específica que garanta a continuidade da alimentação escolar com os princípios, diretrizes e padrões de qualidade vigentes, essa mudança pode anular todos os avanços conquistados desde a descentralização do PNAE, em 1998.
É importante esclarecer que os programas em questão continuarão existindo. No entanto, a transferência de recursos federais para a execução dos mesmos não terá mais controle normativo, estando sob a tutela de gestores sem a formação adequada para a aplicabilidade desse dinheiro na alimentação escolar.
Ademais, o PL propõe que a fiscalização não seja mais realizada pelo FNDE e nem pelo Tribunal de Contas da União (TCU), transferindo essa responsabilidade para que órgãos de controle de cada ente federado possam fazê-lo, o que, no nosso entendimento, será um retrocesso, já que, desde a elaboração do programa, em 1955, o controle por parte do governo federal sempre ocorreu de forma aprimorada.
Além disso, a revogação de artigos da Lei 11.947, prevista no PL em questão, desobriga a aquisição de produtos da agricultura familiar e a prestação de contas, faculta a existência do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e elimina a regulamentação nacional de critérios mínimos de qualidade nutricional e aceitabilidade da alimentação escolar.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar foi construído coletivamente e representa uma conquista da sociedade brasileira. É, de fato, o maior programa de alimentação escolar de acesso universal e gratuito do mundo. Cerca de 43 milhões de alunos em todo o Brasil foram beneficiados pelo programa, que tem cerca de 8 mil nutricionistas como responsáveis técnicos.
Toda essa estrutura movimenta uma imensa cadeia produtiva da alimentação, com mais de 60 mil de agricultores familiares e associações e cooperativas de empreendedores familiares rurais inseridas, preservando as culturas alimentares locais, a qualidade do alimento servido às crianças com um impacto sócio-econômico de incalculável relevância para o país, atendendo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto ao consumo de frutas, verduras e hortaliças. Essas recomendações estão previstas na legislação atual e por meio de evidências científicas, com indicativos do aumento do consumo por escolares após a implantação da Lei que institui a compra de, no mínimo, 30% da agricultura familiar.
Por isso, entendendo a complexidade do tema, dos riscos e prejuízos que podem ser gerados de maneira irreversível à sociedade com a aprovação açodada deste projeto de lei, conclamamos ao parlamento brasileiro à rejeição deste texto e a imediata abertura do debate sobre a matéria, com a presença de todas as partes interessadas envolvidas nessa discussão.