Nota pública sobre a promessa de ampla distribuição de medicamento na Atenção Primária à Saúde para “o Rio não ter mais gordinhos”

O Conselho Regional de Nutrição 4ª Região (CRN-4) manifesta preocupação quanto às declarações feitas pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes em entrevista publicada pelo Jornal Extra no dia 01/10, sobre a promessa de ampla distribuição de medicamento para o tratamento da obesidade nas Clínicas da Família e Centros Municipais de Saúde. 

Considerada como uma condição complexa e multifatorial, a obesidade possui causas que perpassam questões genéticas, psicológicas, socioculturais, econômicas, ambientais e comportamentais. Nesse sentido, seu cuidado requer ações e estratégias seguras e articuladas que garantam uma abordagem multiprofissional de caráter individual e coletivo, baseada nas melhores evidências científicas e conduzida por profissionais devidamente capacitados, dentre eles, o nutricionista.

Para que haja enfrentamento efetivo da má nutrição em suas múltiplas dimensões, incluindo as condições clínicas que podem resultar do excesso de peso, é imprescindível que a Secretaria Municipal de Saúde garanta o acesso da população a profissionais de saúde devidamente habilitados, com especial atenção à área de Alimentação e Nutrição. Nesse sentido, ressaltamos a importância da presença de nutricionistas nas mais de 230 unidades de Atenção Primária em Saúde do município, com enfoques tanto na gestão das ações de alimentação e nutrição, quanto no cuidado nutricional.

A atuação do nutricionista na Saúde Coletiva, especialmente na Atenção Primária, é fundamental para a elaboração de planos estratégicos locais em Alimentação e Nutrição. Este profissional desempenha um papel central na definição de ações individuais e coletivas voltadas à promoção da saúde, à garantia de uma alimentação adequada e saudável e ao cuidado nutricional, contribuindo de forma decisiva para o enfrentamento de situações de risco nutricional. Sua presença permite ainda a identificação precisa do perfil nutricional da população, levando em consideração os determinantes sociais de saúde e alimentação, e possibilita a implementação de estratégias locais de segurança alimentar e nutricional.

O aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade que vem sendo verificado no Brasil, especialmente entre as camadas mais vulnerabilizadas da população, situa a questão como um relevante problema público. Para lidar com o atual cenário, é preciso elaborar e implementar políticas setoriais e intersetoriais para além do escopo das Secretarias de Saúde. Recomendações simplistas, dissociadas de uma análise criteriosa e responsável, podem resultar em graves prejuízos à saúde. Adicionalmente, a promoção do uso inadequado de medicamentos para a resolução de um problema complexo banaliza um problema de saúde pública e pode incentivar a automedicação. 

Destaca-se que todos os indivíduos devem ser tratados com respeito e dignidade, independentemente de seu peso ou aparência física. A gordofobia, caracterizada pelo preconceito e discriminação contra pessoas com excesso de peso, é fomentada por padrões socioculturais de beleza, muitas vezes irreais, e reforçada por estereótipos negativos relacionados à saúde e à capacidade. No âmbito do cuidado à saúde, pessoas gordas frequentemente enfrentam julgamentos ou tratamento inadequado, com base no seu peso. Esse episódio reforça a necessidade de práticas livres de estigma nos mais diversos ambientes. O acompanhamento nutricional realizado por nutricionista é indispensável para uma abordagem integrada, acolhedora e responsável da obesidade, contribuindo para assegurar a promoção do direito à saúde e do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável.

Por fim, o CRN-4 reforça seu compromisso com a defesa da saúde pública de qualidade e com participação do nutricionista como parte essencial, reafirmando a necessidade urgente de investimentos estruturais que garantam a presença desse profissional no nível de gestão e nos serviços de Atenção Primária em Saúde.

Conselho Regional de Nutrição 4ª Região
Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2024.