Posição do Sistema CFN/CRN sobre o Guia Alimentar

Espírito Santo - 08/08/2014

Posição do Sistema CFN/CRN sobre o Guia Alimentar

O CFN entregou para a Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde no dia 28 de julho, uma síntese de sugestões para a proposta de Guia Alimentar. As propostas completas do Sistema foram apresentadas na consulta pública.

A proposta do Guia Alimentar para a População Brasileira 2014, apresentada pela Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição (CGAN) do Ministério da Saúde e colocada em CONSULTA PÚBLICA N° 4, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2014, foi analisada pelos Conselhos Regionais e Federal de Nutricionistas (CRN/CFN), os quais, além das contribuições individuais encaminhadas na forma e prazo estabelecidos na referida consulta pública, entenderam oportuno oferecer considerações complementares que ora são apresentadas. O texto em referência é fruto das discussões encetadas nos CRN, que contou com convidados da academia, estudantes, profissionais, outras entidades e instituições da área de alimentação e nutrição. Tais reflexões apresentadas em reunião, de nível nacional organizada pelo CFN, subsidiaram a presente manifestação que expressa a posição dos conselheiros regionais e federais do sistema CFN/CRN, cujos mandatos são representativos dos 100 mil nutricionistas brasileiros.

Foi reconhecido o valor de proposta que assume, de forma inovadora, o enfrentamento dos aspectos negativos da transição nutricional que afeta a população brasileira; considerou-se que esse enfrentamento deve ser encarado como ação prioritária para todos os segmentos da sociedade ligados aos problemas, o que justifica o presente posicionamento. A proposta em análise apresenta pontos positivos quando altera o paradigma das mensagens que pretendem modificar o perfil epidemiológico das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). Ao focar os alimentos, e não os nutrientes, agiliza a comunicação e facilita escolhas que favorecem uma boa alimentação. Concordou-se com a ênfase na necessária mudança do perfil de oferta e consumo de produtos industrializados e com a prioridade que deve ser dada ao consumo de alimentos in natura, em detrimento daqueles com baixo valor nutricional e ricos em açucares, gorduras e sal.

Entendeu-se como muito positiva a proposta que, alinhada com recomendações internacionais que preconizam o resgate da função social dos alimentos, valoriza o comer em família e o preparo doméstico das refeições, favorecendo o fortalecimento de vínculos familiares, a expressão do papel social da alimentação e a preservação da cultura, da tradição e do conhecimento popular. Compartilha-se do reconhecimento de obstáculos inerentes a consecução dessa proposta, ainda que as sugestões oferecidas pelo documento para a sua superação mereçam um tratamento mais articulado com as mudanças estruturais no sistema alimentar e no modo de vida das famílias.

Foi ainda considerado oportuno o tratamento genérico que o texto dá às questões da promoção da alimentação adequada e saudável, propondo ações que indicam condutas comportamentais, individuais e coletivas que oportunizam a participação de profissionais de todas as áreas que têm interface com a alimentação.

Entretanto, as discussões levadas a efeito no sistema CFN/CRN concluíram unanimemente que a proposta em estudo apresenta desafios que devem ser superados anteriormente a divulgação do texto, sob pena de comprometer a sua credibilidade e reduzir a sua efetiva utilização. Dentre elas destaca-se:

• O Guia Alimentar proposto está centrado em inovadora classificação dos alimentos, estruturada a partir de fundamentos teóricos cuja aplicação prática não foi testada. Esta circunstância pode explicar a inconsistência que se observa na linguagem adotada – ora coloquial, ora técnica – e que se reflete na indefinição do público a que se destina, na inconsistência de conceitos e definições expressos ao longo do texto, na insuficiência de exemplos e na inadequação de ilustrações.

• A mensagem básica da proposta foca o empoderamento do indivíduo para que este faça escolhas compatíveis com a nova orientação, mas omite os fatores que condicionam tais opções, desconsiderando as necessárias medidas para promover, permitir, sustentar e consolidar escolhas individuais e coletivas. Ao abstrair os determinantes sociais (sistemas alimentares que interferem no acesso aos alimentos de qualidade, propaganda, etc.), ignora a sua interferência no padrão alimentar do indivíduo e da população. Documento da própria CGAN afirma que “a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis depende de ações articuladas entre as dimensões voluntárias, que o indivíduo pode definir e alterar e aquelas estruturais, que o ambiente determina e possibilita”.

• A proposta em estudo define três componentes básicos da alimentação: os alimentos, os produtos alimentícios entendidos como os ingredientes que permitem temperar e cozinhar os alimentos e os produtos alimentícios prontos para consumo. Tal classificação não encontra respaldo na literatura científica, nem na legislação sobre alimentos e sua adoção implicará em alterações no conjunto de regulamentos que regem a produção e comercialização de alimentos e na prática de inúmeros profissionais que atuam na área.

• Quando preconiza que os alimentos industrializados devem ser evitados desconsidera a necessidade de consumo de alguns desses alimentos, especialmente associada às dificuldades de acesso de algumas regiões do país.  Minimiza o papel do Estado na fiscalização das determinações legais e sanitárias aplicáveis a essa atividade e desconsidera a necessária regulamentação para que o setor de indústria e comercialização de produtos alimentícios assuma a responsabilidade social que lhe cabe no enfrentamento ora proposto. A publicidade de alimentos adota valores e práticas que resumem e traduzem os desafios atuais para a adoção de uma alimentação saudável. Assim, sua regulação, enquanto papel do Estado, merece destaque para que possa ser ampliada a base social de apoio à proposta em estudo e, ao mesmo tempo, permita controlar o impacto negativo que a propaganda pode exercer sobre os hábitos alimentares.

Outro desafio identificado foi a insuficiente abordagem do protagonismo que o Guia Alimentar deve ter nas políticas e programas da área de alimentação e nutrição, comprometendo sua função de instrumento inspirador e irradiador para a promoção de alimentação adequada e saudável.

Foi ainda discutida a forma adotada para a construção da proposta em estudo, que deveria ter tido maior abrangência, contemplando diferentes segmentos da sociedade, e ter explicitado o possível impacto que o Guia Alimentar atualmente em vigor exerceu no padrão alimentar da população brasileira. Destacou-se a necessidade de testar essa nova mensagem cujo entendimento é indispensável para a sua plena adoção. Esta circunstância determina que as contribuições da Consulta Pública recentemente encerrada sejam amplamente consideradas na elaboração do texto definitivo.

Concluindo, o sistema CFN/CRN referenda a iniciativa que propõe novas bases para o enfrentamento da problemática alimentar que afeta a população brasileira, mas recomenda que o texto em estudo seja submetido a criteriosa revisão da abrangência e exequibilidade dos pressupostos teóricos que adotou. Recomenda-se ainda que seja definido o público a que o texto se destina, pré-requisito indispensável para a necessária adequação do conteúdo e da forma final do documento.

Brasília, 28 de julho de 2014.

Conselhos Federal e Regionais de Nutricionistas

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