Dia Mundial da Alergia: destaques para detectar e controlar alergia alimentar

Rio de Janeiro - 08/07/2020

Hoje é Dia Mundial da Alergia. E há vários tipos de alergia... Muito se fala sobre a alergia alimentar, mas pouco se sabe sobre ela. Afinal, é a mesma coisa que intolerância alimentar? Existe alergia a lactose? Há tipos diferentes de alergia? Há vacina? A alergia aos alimentos tem relação com as manifestações cutâneas e respiratórias?


Primeiro é importante entender a definição de alergia alimentar: uma reação adversa (anormal) do organismo em relação às proteínas dos alimentos. Envolve o sistema imunológico, que é o sistema de defesa do organismo, e pode ou não ser mediada por imunoglobulinas E (IgE). As reações alérgicas vão desde as mais leves, como um intestino preso; até as mais graves, que podem comprometer vários órgãos. 


O número de pacientes com alergias alimentares vem aumentando significativamente nas últimas décadas, no mundo, principalmente em crianças.  Devido à gravidade de alguns quadros de alergia e o comprometimento da qualidade de vida do paciente e de seus familiares, a busca pela prevenção primária da alergia alimentar se tornou prioridade de saúde pública em países desenvolvidos e é motivo de preocupação naqueles em desenvolvimento. No Brasil, não existem dados exatos sobre a prevalência da alergia alimentar. De forma geral, o que se sabe é que a alergia alimentar costuma ser a primeira manifestação de doença alérgica na infância, sendo de maior prevalência nesse período em comparação à vida adulta: afeta até 10% das crianças em idade pré-escolas e continua a aumentar em prevalência em muitos países.


A causa da elevação na incidência da alergia alimentar ainda não está esclarecida, mas a literatura aponta a influência de diversos fatores. Entre eles, o aumento dos nascimentos por cesariana, a menor exposição aos microrganismos, o uso excessivo de antibióticos e o desmame precoce.


Também estão dentro dessas hipóteses a questão ambiental, como ar-condicionado, luz artificial, poluição e estresse. Do ponto de vista nutricional, a exposição a alimentos processados, ultraprocessados e transgênicos; a introdução de alérgenos diversos na dieta pela adoção de novos hábitos alimentares e a diminuição do consumo de alimentos ricos em ácidos graxos ômega-3 e em fibra alimentar são alguns dos aspectos relacionados. Os oito alimentos mais alergênicos são: leite de vaca, soja, ovo, trigo, peixe, frutos do mar, amendoim e castanhas, que causam cerca de 90% das reações alérgicas.


Para entender um pouquinho como funciona a digestão da proteína, é importante lembrar que ela é uma molécula grande, presente em quase todos os alimentos e formada por um conjunto de aminoácidos, como um colar de pérolas. As moléculas da proteína possuem algumas partes que são chamadas de epítopos, formados pelo conjunto de aminoácidos entre si: estas são as regiões mais alergênicas das proteínas alimentares. Quando consumimos um alimento, as enzimas digestivas do estômago e do intestino digerem suas proteínas em porções muito pequenas, com poucos aminoácidos para facilitar a absorção e, assim, fazer com elas cheguem à corrente sanguínea. Muitas pessoas podem absorver um epítopo sem que haja a digestão completa da proteína, e aí o organismo desenvolve tolerância e não apresenta reação. A questão é que, quando um indivíduo com predisposição genética a alergias absorve um epítopo de uma proteína alergênica, o sistema de defesa reconhece essa proteína e produz anticorpos imunoglobulina E (IgE) ou células inflamatórias que acarretam reações alérgicas. Vale lembrar que os aminoácidos livres não causam alergia.


Por isso, podemos entender porque o termo "alergia a lactose” é errado e não existe: enquanto a alergia alimentar é uma hipersensibilidade causada pelo sistema imunológico e pelas proteínas de alguns alimentos e pode se reproduzir cada vez em que um alimento é ingerido, independentemente da dose ingerida, a intolerância alimentar é uma resposta fisiológica anormal a um alimento ou aditivo, sem que haja envolvimento de mecanismos imunológicos.


Nos casos de intolerância ao leite, que é mais comum em adultos ou idosos, seja por ausência ou diminuição na produção da enzima lactase, o organismo não tem capacidade para digerir a lactose, que é o açúcar do leite. Já na alergia ao leite, há uma reação imunológica às proteínas do leite. Os sintomas da intolerância são apenas intestinais e restritos ao trato digestório (diarreia, prisão de ventre, dor etc.), enquanto na alergia os sintomas podem acometer de forma ampla e atingir a pele e os sistemas digestório e respiratório, como veremos mais adiante.


Na infância e no Brasil, as alergias alimentares ao leite de vaca, à soja, ao ovo ou ao trigo são mais frequentes. Mas, de fato, o leite é o grande protagonista das alergias alimentares, sendo responsável por 20% dos casos. Contém mais de 20 frações proteicas, com forte potencial alergênico. São identificadas como alérgenos do leite de vaca as frações alfa S1-caseína, beta-caseína (sendo estas as mais prevalentes), alfa-lactoalbumina, betalactoglobulina, seroalbumina e gamaglobulina bovinas. Também conhecida como APLV, a alergia à proteína do leite de vaca é uma das primeiras manifestações de alergia, responsável pela maioria dos casos de alergia alimentar nos lactentes e crianças com menos de 4 anos, já que é o primeiro alimento a ser oferecido à criança após o desmame do leite materno. Nessa fase da vida, a barreira intestinal ainda é imatura e, assim, mais permeável, o que facilita a penetração de moléculas de maior tamanho, causando maior vulnerabilidade do indivíduo à sensibilização alérgica.


Além da amamentação inadequada, é importante chamar a atenção para o uso indiscriminado da mamadeira nos berçários. A introdução precoce do leite de vaca, antes do leite humano, pode tornar uma criança um paciente potencialmente alérgico ao leite de vaca. Já nos adultos, é mais prevalente a alergia a amendoim, castanhas, peixes ou frutos do mar, podendo manter-se durante toda a vida. No entanto, os diferentes mecanismos imunológicos no desenvolvimento da tolerância de cada alérgeno ainda não estão esclarecidos.


As reações alérgicas à proteína do leite de vaca podem ser divididas em três tipos. As mais graves são as mediadas por imunoglobulina E (IgE), com reações imediatas, que aparecem de segundos até duas horas após a ingestão do leite, com manifestações clínicas que variam entre urticária, vômitos, diarreia, inchaço de lábios e olhos, dificuldades na respiração e anafilaxia. Já as não mediadas por IgE apresentam reações tardias e podem aparecer de horas a dias após a ingestão do leite, com manifestações que variam entre a doença do refluxo gastroesofágico, a proctite eosinofílica e a FPIES, também chamada de enterocolite induzida por proteína alimentar e que tem uma particularidade: envolve normalmente o arroz, o leite e a soja. Por fim, as mistas, com reações imediatas e tardias e manifestações clínicas como esofagite eosinofílica, dermatite atópica, asma e doença do refluxo gastroesofágico.


Por todos estes motivos, na terapia nutricional, como não há vacina para a alergia alimentar, é fundamental retirar o alérgeno da dieta com o objetivo de prevenir o surgimento de sintomas crônicas e proporcionar um ambiente adequado para um crescimento e desenvolvimento adequado. Por isso, a orientação de um nutricionista se faz necessária nesse acompanhamento. A restrição completa do alergéno ainda é importante para a maioria das pessoas, mas os últimos estudos nessa área indicaram que alguns indivíduos com alergias alimentares toleram formas cozidas de leite e ovo. A liberação da dieta deve ser realizada somente quando for possível e seguro.


Texto: Mariana Claudino 


Nutricionista pós-graduada em comportamento alimentar e pós-graduanda em nutrição materno infantil. Formada em jornalismo, decidiu estudar nutrição após o nascimento do filho Mateus, alérgico a leite. É cofundadora do movimento Põe no Rótulo, que foi fundamental para a aprovação da RDC 26/2015, tornando os rótulos de alergênicos mais claros. Atende crianças em consultório e é membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

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