Você sabia que se alimentar com qualidade é um direito? E imagina o que isso representa? Talvez você não tenha ouvido falar nele, mas o Direito Humano à Alimentação Adequada - DHAA está muito presente em sua vida. Ele é um dos direitos fundamentais ao ser humano, ou direitos humanos em outras palavras. Estes direitos são frutos de negociações históricas de diversos povos e representantes de todo o mundo que culminaram em declarações e tratados internacionais. Um importante marco na evolução da discussão sobre direitos humanos (e esse você deve conhecer) foi a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, no dia 10 de dezembro de 1948. Trata-se basicamente de um documento com os ideais a serem seguidos pela humanidade em consequência dos horrores ocorridos durante a segunda guerra mundial, onde muito se violou da dignidade humana. Assim, os direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais previstos nesta declaração têm como objetivo garantir, de forma articulada, que toda e qualquer pessoa possa desenvolver suas capacidades como ser humano.
Mas...e o DHAA?
Levando em consideração que para a sobrevivência e qualidade de vida de qualquer pessoa é necessário se alimentar adequadamente, o DHAA é o direito que todos nós temos a uma alimentação adequada em quantidade e qualidade, de forma acessível e permanente.
Perceba como é evidente a questão da fome no conceito do DHAA. Isso se deve ao fato de a desnutrição ter se tornado um tema de muito destaque no mundo, especialmente entre as décadas de 1950 e 90. Apesar desta dimensão bastante urgente, a dimensão da qualidade é parte igualmente importante nesse conceito. Isso quer dizer que, uma alimentação em quantidade adequada, mas de qualidade ruim, também é uma violação deste direito.
No Brasil, por exemplo, os indicadores de fome e desnutrição melhoram bastante, nos últimos anos, mas ainda persistem situações de insegurança alimentar e nutricional, ou seja, pessoas com dificuldade no acesso permanente a alimentos de qualidade, que ficam mais vulneráveis à deficiência de nutrientes e doenças decorrentes dela. Alguns grupos sociais são ainda mais vulneráveis a essa condição, como indígenas e povos e comunidades tradicionais, muitos deles ainda enfrentam a fome. Por outro lado, mais da metade da população brasileira está acima do peso, consequência da má qualidade da alimentação, outra face da violação ao DHAA.
Como uma forma de enfrentar todas essas violações existe o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional.
E o que é Segurança Alimentar e Nutricional?
No parágrafo anterior foi mencionado o termo “insegurança alimentar e nutricional”, e levando em consideração o contexto em que o termo foi inserido, talvez já seja possível supor do que se trata a Segurança Alimentar e Nutricional – SAN. Não se pode falar de DHAA sem falar em SAN. Quando cada homem, mulher e criança, em coletivo ou individualmente, tem acesso constante a uma alimentação adequada, o direito humano à alimentação adequada está sendo garantido. E cabe ao Estado, através das políticas de SAN, garantir esse direito a todos e todas.
Mas esse direito não deve ser enxergado de forma reducionista, ou seja, nem apenas como estar livre da fome, nem apenas como a ingestão adequada de nutrientes. Esta adequação também envolve a segurança microbiológica do alimento; sua qualidade e diversidade; a sustentabilidade em suas práticas produtivas e o respeito às culturas alimentares tradicionais. Assim é caracterizada a SAN, baseada nas práticas alimentares promotoras de saúde, no respeito à diversidade cultural e na sustentabilidade ambiental, econômica, social e cultural.
Reconhecendo as violações do direito humano à alimentação adequada
Se imagine em uma situação em que você esteja doente, necessitando de assistência médica, e os hospitais de sua região estejam todos lotados, com quantidade reduzida de profissionais, sem condições de receber mais pacientes e você não tem recursos para ser atendido em um hospital particular. Se já passou ou conhece alguém que passou por essa situação, como se sentiu? Desrespeitado/a? Menosprezado/a? Impotente? Violado/a? Esse caso descrito caracteriza-se por um caso de violação de direito e você só consegue reconhecer que está sendo violado por que sabe que tem direito à saúde.
Quando se trata de uma violação ao DHAA, muitas vezes ela nem é reconhecida. Reconhecemos situações de fome, reconhecemos quando existe um surto de infecção alimentar, mas essas não são as únicas.
- Quando os alimentos adquiridos e consumidos por nós estão contaminados por agrotóxicos, colocando em risco a saúde de cada um e cada uma que o consomem – o direito humano à alimentação adequada está sendo violado.
- Quando a oferta de alimentos industrializados (de baixa qualidade nutricional e produzidos de forma insustentável) é maior que a de alimentos saudáveis e de qualidade nutricional (produzidos de forma sustentável) – o direito humano à alimentação adequada está sendo violado.
- Quando os alimentos em maior abundância nos mercados não respeitam as culturas regionais e tradicionais, ou o meio ambiente – o direito humano à alimentação adequada está sendo violado.
- Quando crianças são estimuladas a se alimentar de alimentos que fazem mal para a saúde devido à publicidade abusiva e da grande oferta destes alimentos em ambientes como a escola – o direito humano à alimentação adequada está sendo violado.
- Quando comercializam chocolates que utilizam como ingrediente o cacau proveniente de trabalho escravo – o direito humano à alimentação adequada está sendo violado.
Como garantir nosso direito?
Apesar de caber ao Estado (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e seus diferentes agentes) a garantia do respeito, da proteção, da promoção e do provimento dos direitos de todos e todas, cada um de nós temos um papel fundamental como indivíduos, agentes públicos, integrantes de conselhos ou representantes da sociedade civil.
Precisamos reconhecer a alimentação adequada como nosso direito, para, então, conseguir exigi-la. É inaceitável que, em um mundo com recursos tão abundantes, ainda tenhamos nosso direito violado com tanta frequência.
Enquanto integrantes de conselhos ou representantes da sociedade civil, é urgente trabalhar para a criação de formas claras e simples de se exigir o DHAA e monitorar suas violações.
Enquanto indivíduos, podemos buscar adquirir alimentos direto do/a produtor/a, cobrar do poder público acesso a alimentos de qualidade, cobrar das escolas uma alimentação escolar saudável, assim como, ações de educação alimentar e nutricional.
De forma geral, precisamos nos empoderar mais sobre este tema, para que possamos participar mais ativamente do processo de construção de políticas e ações que promovam a todas e todos acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
“Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. As pessoas querem ser iguais, mas querem respeitadas suas diferenças.”